terça-feira, 17 de novembro de 2009

Reveillon em Barcelona


Adoro viajar sozinha! Você fica mais independente, mais receptiva às novas experiências, aberta a novas amizades e principalmente, visita os lugares no seu próprio tempo. Confesso, porém, que eu AMO quando viajo (bem) acompanhada. Aliás, como é difícil encontrar alguém que esteja na mesma vibe que você! Que tenha gostos parecidos, o mesmo ritmo, ou que pelo menos, esteja disposto a respeitar as diferenças. Afinal, viajar com mais alguém nos obriga a ceder, a ser mais flexível, mais tolerante. Acima de tudo significa compartilhar: aventuras, descobertas, segredos, apuros, emoções, recordações.

E foi, justamente, ao lado de duas ótimas companhias que eu passei o Reveillon mais inusitado da minha vida. Ana, Amanda e eu decidimos, dentre tantas atraentes opções, que celebraríamos a chegada de 2009 na cidade mais badalada da Espanha: Barcelona

Havíamos feito reserva, em um albergue estudantil, para quase todos os dias de nossa estadia, com exceção apenas de um: o dia da virada do ano. Pesquisamos diversas possibilidades, antes do embarque, mas todas estavam muito caras para o nosso orçamento. Decidimos assim, procurar um lugar decente e econômico apenas quando chegássemos em "Barça".

Chegamos! Fomos seduzidas de tal forma pela magia espanhola, que o pacto de procurar o tal lugar decente acabou sendo, progressivamente, adiado. Durante as tardes na Capital da Catalúnia, nos perdemos nas apaixonantes obras de Gaudí, Miró, Dalí, Picasso. A noite, nos encontramos na vida boêmia universitária. Ah, Barcelona! Uma cidade que transpira cultura, alegria, arte e festas. Impossível não se deixar envolver!

Como aquela semana foi intensa! Em tão pouco tempo, quantas experiências novas! Passou tão rápido que quando nos demos conta, já era dia 31 de dezembro. Ainda não tínhamos um lugar para deixar as malas, tomar banho, trocar de roupa ou descansar, antes da tão esperada, noite de reveillon.

Tentamos, em vão, procurar algum albergue, pensão ou hotel, que tivesse disponibilidade, pelo menos, para guardarmos nossas malas e nos proporcionar um delicioso banho quente. Mas não havia mais vagas! Procuramos, e nada!

Sem muitas alternativas, resolvemos esquecer este empecilho, mesmo que momentâneamente e focar em um outro desafio que também tínhamos naquele dia: descobrir como chegaríamos ao aeroporto Girona, já que na manhã do dia primeiro de janeiro, voltaríamos à Holanda.

Fomos à rodoviária central. Recebemos à informação de que havia ônibus, a cada meia hora, diretamente para o aeroporto. Ótimo! Uma preocupação a menos. Mas ainda faltava a questão da hospedagem que ainda não havíamos arrumado.

Foi quando, com as pesadas e exaustivas mochilas nas costas, vimos os "lockers" (armários com chave, disponíveis em todas as estações européias). Mas é claro! Como não havíamos pensado nisto antes?

Quase que telepaticamente, nós três fomos em direção aos armários e decidimos que abandonaríamos a bagagem ali e aproveitaríamos o último dia do ano e de nossa viagem.

Pensamos em visitar alguns pontos turísticos, mas a disposição que havia no primeiro dia, já não existia mais. Não era para menos! Percorrendo insaciavelmente a cidade e frequentando "las fiestas" durantes as noites, havíamos dormido, na última semana, apenas 4 horas por dia.

Resolvemos, assim, dormir na praia. Deitamos no gramado, que havia antes de se chegar às areias do mediterrâneo e relaxamos. Ficamos ali, conversando, vendo o mar, o céu, as pessoas, ouvindo as músicas que eram tocadas nos bares próximos dali. Que tarde gostosa! Simples e especial!

Já que havíamos economizado com o dinheiro da hospedagem, resolvemos por unânimidade, que merecíamos investir em uma balada "boa". Além de ser um dia que havíamos criado tanta expectativa, nosso vôo só seria na manhã seguinte. Tínhamos que nos entreter na madrugada, sem direito a ter sono! Mas o momento para a contagem regressiva se aproximava e ainda não estávamos, fisicamente, preparadas!

Voltamos à rodoviária, abrimos o "locker", pegamos às mochilas e fomos ao banheiro, dali mesmo da estação. Tomamos um "pseudo banho"na pia, colocamos uma roupa digna da ocasião, nos maquiamos. Sim, confesso que chocamos, um pouco, à sociedade local. As pessoas que entravam no banheiro e se deparavam com nossa situação, ficavam sem entender e até lançavam assustados e curiosamente um "¿Que pasa?" !

Guardamos de volta a bagagem no armário e voltamos à praia, aonde aconteceria a celebração de fim de ano e aonde estava situado o Catwalk, balada que havíamos escolhido para passar toda a madrugada e que nos proporcionou tantos momentos, histórias e ótimas lembranças...

Pois é! E eu repito: Como AMO viajar (muito!) bem acompanhada. Meu reveillon tinha todo um potencial para ser um fiasco. Mas não foi! Pelo contrário, foi o melhor que eu já tive! Ótimo porque a gente conseguiu transformar uma dificuldade em uma grande aventura, e inesquecível porque eu não estava apenas com duas grandes amigas, mas principalmente com duas excelentes companheiras de viagem: divertidas, flexíveis, animadas, tolerantes, imprevisíveis.

Mandinha e Ana eu só posso lhes dizer uma coisa, chicas: "Muchas Gracias!"

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Relacionamento com os felinos



Durante meu ano de intercâmbio na Holanda não sofri de"homesick" (saudades de casa), me adaptei facilmente à rotina de au pair, não tive problemas com os pais hospedeiros e logo me apaixonei pelas crianças. Perfeito, não? Poderia até ser, se eu não tivesse que ter convivido com mais dois habitantes da casa.

Streepje e Elcha estavam no topo da hierarquia familiar. Ganhavam beijos, abraços e presentes! Eram duas gatas mimadas por todos. Ou melhor, por quase todos. Não tenho nada contra animais, pelo contrário, eu adoro! Tenho 5 cachorros, aliás! Mas por alguma razão, desde a infância, nunca gostei de gatos.

Antes do embarque, eu já sabia da existência destes dois "simpáticos" animais de estimação e não me emploguei. Mesmo consciente disto, eu havia gostado tanto da família que estava disposta a encarar as tais gatas. Só não sabia que elas me dariam tanto trabalho.

Não é mania de perseguição, mas parece que elas sentiam que eu não gostava da presença delas e forçavam uma aproximação só para me irritar. Logo na minha primeira semana, por exemplo, Elcha conseguiu arranhar o olho de uma das amiguinhas da Karlijn, ocasionando uma hemorragia, vários gritos e choros infantis descontrolados. Só não tive o AVC, porque precisei chamar a mãe da vítima, o médico, acalmar as crianças e desenrolar meu holandês, que até então, era inexistente. Como fiquei tensa naquele dia!

Também já tropecei na escada, porque a mesma gata entrou, propositalmente, na minha frente. Além de machucar o joelho e ter dificuldades para pedalar durante muitas semanas, ainda quebrei o jogo de porcelana chinesa, relíquia da família, que eu estava carregando no momento da queda. Foi assim que, injustamente, ganhei a fama de desastrada. Eu achava que meu relacionamento com os felinos não poderia piorar. Eu achava...

Em uma manhã de inverno, os pais (Gerwin e Mark) já haviam saído para trabalhar e as kids (Karlijn e Tijmen) estavam na escola. Eu estava sozinha em casa. Quer dizer, eu e elas! Aproveitei o momento ocioso para tomar um banho quente de banheira. Depois desci ao primeiro andar, vestindo minha camisola e ainda com a toalha na cabeça, fui tomar meu café da manhã. Fazia -5 graus. Lá fora a neve caia e ali dentro eu estava aquecida, relaxando, apenas usufruindo do meu horário livre. Tudo estava perfeitamente calmo!

Foi quando eu vi Streepje próxima à porta. Ela miava, desesperadamente, porque queria sair de casa. Abri a porta e ela saiu. Alguns minutos depois, no entanto, lá estava a gata, novamente em frente a porta, mas desta vez miando do lado de fora. É, realmente deveria estar muito frio. Resolvi ajudá-la!

Uma das razões pra eu não gostar de gatos é que eles nunca me obedecem. Se fosse minha cachorra, eu tenho certeza que ao abrir a porta simplesmente, ela teria entrado, "agradecido" e estaria disposta a brincar. Mas Streepje não era assim. Ao abrir a porta ela fugiu de mim e correu para o meio da rua.

Fiquei, pacientemente, insistindo pra que ela entrasse, mas ela se afastava cada vez mais. A princípio, pensei em deixá-la ali fora mesmo. Afinal, não queria passar minhas horas de folga tentando persuadir uma gata bipolar. Fui para a sala assistir a um filme.

Porém a idéia da gata morrendo congelada por minha causa e minha host family tentando entender porquê eu tinha "abandonado" o pequeno animal na neve, logo me veio a mente. E se ela realmente congelasse? O que eu diria às crianças? Muito irritada com o sentimento de culpa, voltei para o frio para fazer o resgate.

Eu ainda vestia a camisola e a toalha ainda estava na minha cabeça, mas eu só precisava colocar uma "indefesa" gatinha dentro de casa. Não me preocupei em trocar de roupa, achei que seria rápido. Afinal o que poderia acontecer?

Poderia ter sido rápido, porém mais uma vez Streepje correu para longe, assim que eu abri a porta. Chamei, conversei, gritei e até expliquei, em português (lógico!), o porquê ela tinha que entrar. Mas ela não me ouviu. Talvez Karlijn tivesse mesmo razão, aquela gata deveria saber apenas holandês.

Decidi pegá-la a força. Até hoje me arrependo desta estúpida decisão. Eu poderia ter ficado assitindo ao meu filme e bebendo meu capuccino. Ao invés disso, lá estava eu, com aqueles trajes, correndo atrás da gata.

Quando me aproximei de Streepje, estava convicta de que a pegaria, mas ela foi mais rápida e correu, desta vez entretanto, para dentro de casa. Ufa, finalmente havia conseguido!

Eu estava de rasteirinha e tentava não encostar meus pés na neve. Feliz com o meu talento para convencer gatos, voltei caminhando vagarosamente. Ventava, nevava e só o que eu desejava, era deitar na cama e ficar bem agasalhada.

Foi quando eu percebi! Não sei se foi o vento ou se foi a Streepje, mas por algum motivo a porta, que só abria por dentro, agora estava fechada. Não podia acreditar! Fazia tanto frio e eu estava sem chave, sem celular, sem dinheiro e praticamente, sem roupa. E lá dentro, estavam as duas gatas olhando pra mim, quentinhas e felizes! Grrrrr!!!!!!

Tentei a porta dos fundos, as janelas, a garagem, mas estavam todas trancadas. Droga! O vento era cortante e eu ainda não havia conseguido solucionar aquele problema. O frio era tanto que eu não conseguia raciocinar. Chamei os vizinhos, mas nenhum deles me respondeu, provavelmente já haviam saído para trabalhar. Tentei atravessar a rua para pedir ajuda à diarista da casa da frente, mas não estava com calçados apropriados para encarar a neve.

Fiquei, aproximadamente, 2 horas congelando. Me enrolei na toalha molhada, sentei próxima a porta e fiquei ali pensando como faria para buscar as kids. O horário de saída da escola se aproximava. Eu não conseguiria andar tantos quarteirões com a rasteirinha, muito menos queria mostrar minha camisola para todos os habitantes da cidade. Também não teria como avisar aos meus pais holandeses, já que além de não estar com o celular, eu ainda não havia decorado o número deles.

Eu já estava roxa, mal sentia meu corpo e enquanto isso as "adoráveis" gatinhas ainda olhavam alegremente, de dentro da casa, para mim. Não tinha força nem para sentir raiva. Já tinha me conformado que era mesmo o meu fim.

Mas ainda não era. Estava de cabeça baixa, quando ouvi o barulho de um carro. Era a minha vizinha! Fui até lá, tentando manter a calma, mas bastou ela perguntar o que havia acontecido comigo, pra eu começar a chorar. Não parei mais! Chorei muito! Ela se assustou com minha reação e me convidou para entrar em sua casa. Enquanto tomava um café quente e me agasalhava, contei toda história à ela.

Para minha sorte, a bondosa mulher, era amiga da minha host mother e tinha o número do celular dela. Ela discou e eu falei. Contei, pausadamente, todos os fatos e em poucos minutos ela estava ali.

Eu estava me sentindo tão vulnerável! Devido à uma gata descontrolada e à maldita porta, lá estava eu atrapalhando o trabalho da host, fazendo com que ela pedisse a tarde livre só pra me dar a tal chave que eu tanto havia cobiçado durante as horas no frio.

Quando ela chegou, me viu e simplesmente, me deu um abraço, logo me lembrei porque valia tanto a pena aturar, diariamente, aqueles 2 animais de estimação. Expliquei, agora com mais detalhes, toda minha odisséia, tentando justificar o porquê eu a havia incomodado. Ela, porém, não parecia se importar com os motivos da saída repentina do trabalho.


Entramos. Enquanto eu tomava outro banho quente, ela me preparou um chá. Ainda abalada com a situação, ganhei todo o dia livre para me recuperar. Gerwin alegou que buscaria os próprios filhos. Afinal, fazia tempo que ela tinha vontade de fazer isso, mas na maioria das vezes, não podia estar presente.

Felizmente, nada demais aconteceu. Eu poderia realmente ter congelado. Ou no mínimo, ter os membros necrosados, resultando em uma amputação. Nada aconteceu! Graças a vizinha que, por alguma razão, resolveu chegar mais cedo em casa, justamente, naquele dia que eu estava trancada para fora.

Hoje, quando saio de casa, mesmo que seja até a porta, coloco roupas mais "adequadas"e tenho sempre no bolso: dinheiro, celular e chave. Esta lição, pelo menos, eu aprendi. Só não aprendi, até agora, a gostar de gatos...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Surfando o sofá alheio


Lembro que a primeira vez que eu ouvi sobre o CouchSurfing, eu logo pensei: "Que loucura! Isso não deve ser seguro"! No começo, a idéia de me hospedar no sofá (couch) de um desconhecido, me parecia indiscutivelmente absurda! Mal sabia, porém, que apenas 1 mês depois desse julgamento precipitado, eu não apenas reformularia os meus conceitos, como também passaria a ser adepta à esta filosofia de vida.

Como o próprio site descreve, o "CouchSurfing é uma rede mundial para fazer conexões entre viajantes e as comunidades locais que eles visitam". Portanto, se você é uma pessoa flexível, que não se importa com o conforto da hospedagem, mas sim em conhecer novos lugares e pessoas, esta é uma ótima maneira para fazer amigos e economizar uma graninha.


Veneza, Roma, Milão, Budapeste, Luxemburgo, Atenas, Amsterdam, Praga, Viena, Sofia, Zurique, Istanbul foram apenas alguns dos destinos, em que eu pude ser hospedada por nativos, fazer novas amizades, aprender um pouco mais da cultura e visitar locais incríveis que não são sugeridos em guias turísticos. Através do CouchSurfing eu pude, mais do que conhecer lugares famosos, vivenciar realmente, pelo menos um pouquinho, o cotidiano e os costumes de diferentes povos.


Dentre tantas experiências positivas, houve uma, no entanto, que me marcou muito: Santorini. Algumas semanas antes do meu embarque, consultei a ferramente de pesquisa do site e constatei que havia apenas 6 pessoas cadastradas, morando na paradisíaca ilha grega. Com pouca esperança de que algum me respondesse, já que era alta temporada, época em que os gregos tiram férias, resolvi, mesmo assim, solicitar hospedagem a todos eles. Afinal, o máximo que poderia acontecer era não obter respostas. Para o meu espanto, porém, no mesmo dia em que eu havia escrito as mensagens recebi o retorno de um deles.


Alex escreveu que estava disponível para me hospedar durante o período solicitado. Mal pude acreditar! Afinal, além de Santorini ser um dos destinos mais caros do mundo, a demanda de "surfers" na ilha é enorme, em relação à quantidade de pessoas que estão disponíveis a hospedar. Sem hesitar, confirmei com ele minha ida e passei os detalhes da minha chegada!


Foram 5 horas de Ferry boat de Atenas à Santorini. Quando cheguei na ilha vulcânica fiquei, literalmente, de boca aberta. As pedras de coloração escura, com as famosas casinhas brancas, contrastavam com o azul intenso do mar. Só não era confundido com o céu, pois as ondas brancas limitavam as fronteiras. Lembrei das cores da bandeira grega, branca e azul, e admirando aquela paisagem, pensei ter descoberto o motivo da escolha de tal cores.


Fui interrompida do meu devaneio, apenas quando Alex, que já me esperava no porto, veio me chamar. Fomos devidamente apresentados e logo em seguida, fomos dar uma volta pela ilha de moto. Enquanto eu me deslumbrava com o lugar, ria internamente em pensar o que minha família e meus amigos diriam, se soubessem que eu estava ali, já na garupa de um desconhecido.


Alex era o DJ mais famoso de Santorini. Ele migrava, anualmente, durante o verão, para tocar nas ilhas mais badaladas da Grécia. Durante os 4 dias da minha estadia, fui a diversas festas como convidada VIP, passei muitas tardes na praia, conheci muita gente interessante, experimentei a culinária local e até mesmo fui contratada, por indicação do host, como Bar Woman de um dos bares mais conhecidos dali. Como eu me diverti naquela ilha!


Hoje relembrando todos os ótimos momentos que vivi, graças a todas as pessoas que gentilmente abriram a porta de suas casas para mim, percebo que muito mais do que aprender com as diferenças, eu pude, principalmente, ter certeza que ainda podemos confiar nas pessoas. Mas não porque você as conhece ou porque conquistaram sua confiança. Confiar porque, simplesmente, todo ser humano deveria ser, por natureza, honesto.


Utópico? Pode até ser. Mas você só conseguirá sentir o que eu senti, se você também se permitir e experimentar...