Sempre fico ansiosa antes de alguma viagem! Confiro infinitas vezes se estou levando todos os documentos, divido o dinheiro em diferentes compartimentos, anoto números de telefone e endereços que possivelmente serão úteis, confiro (se for o caso) os horários da passagem, e mesmo assim, enquanto eu não embarcar, eu não sossego!
Houve um destino, porém, que a ansiedade e o nervosismo me atingiram mais intensamente do que de costume. Apesar de me deslumbrar com a idéia de conhecer a cidade em que os continentes europeu e asiático se encontram, o fato de viajar SOZINHA a um país, cuja a maioria da população é muçulmana, me apavorou. Porém, a vontade de explorar o chamado "Portão para o Oriente" era maior do que qualquer receio.
Assim, no dia 14 de agosto, as 03:30 da manhã eu cheguei no aeroporto Sabiha, situado no lado asiático de Istanbul. Ao descer do avião, eu já pude notar que seria um destino realmente diferente de todos que eu já havia visitado.
Em plena madrugada, sozinha, sem falar turco e sem coragem pra pegar um taxi, decidi que esperaria até que o sol nascesse para só então começar a desbravar a cidade. Sentei em um banco, próximo a um restaurante, coloquei a mochila de lado e já que não conseguia dormir, fiquei apenas observando o recinto.
Mesmo naquele horário o aeroporto estava um caos. Gente esperando na fila do check in, crianças correndo pra lá e pra cá, pessoas se despedindo e se reencontrando. Havia muitas mulheres de burca, algumas apenas com um lenço cobrindo os cabelos e duas coisas eu logo pude reparar: eu era a única mulher que não estava acompanhada por um homem e a única que não usava burca ou lenço.
É claro que eu já havia tido o cuidado de escolher uma roupa um pouco mais, digamos assim, discreta. Vestia meu jeans, tênis, um suéter para cobrir os braços e um lenço para não mostrar o pescoço. Já haviam me alertado que decotes, vestidos ou qualquer outro tipo de vestimenta provocativa, não seria uma boa idéia. Resolvi não duvidar!
As 09:00 da manhã, já um pouco mais tranquila, decidi que era finalmente hora de encarar, seja lá o que estava me esperando fora do aeroporto. Seguindo as instruções da minha host Kardelen, que eu havia contactado antes de viajar através do site Couchsurfing (logo farei um post sobre isso!), perguntei a um policial "'Havas otobüsleri nerede?", ou seja "Aonde estão os ônibus Havas?". Ele me apontou a direção que eu deveria seguir e minutos depois eu já estava a caminho da Taksim, a avenida mais agitada da cidade e local aonde eu encontraria a minha host.
Já durante o trajeto fui me apaixonando pela cidade. Era tudo tão diferente! As cores, o cheiro, o som do idioma, o trânsito caótico (que me fez lembrar o Brasil), as mesquitas, mais mulheres vestindo burcas. Pude reparar, inclusive, que já que as muçulmanas cujo os maridos são mais conservadores, não podem mostrar o corpo, elas investem nos acessórios. O traje preto pode até ser o mesmo, mas os óculos e as bolsas demonstravam um pouco mais do estilo de cada uma.
Cheguei a Taksim e logo procurei o Mc Donalds, aonde eu havia combinado de me encontrar com a Kardelen. O caos parecia ainda maior nesta parte da cidade. Eram tantas mesquitas, tantas pessoas, tantos restaurantes exóticos que por mais que eu tentasse fingir que não era turista, minha cabeça girando compulsivamente de um lado para o outro, facilmente me desmascarava.
Estava entretida com o som das preces, quando ouvi alguém gritar "Bia!!!!". Olhei e vi uma menina loira sorridente, de óculos floridos, unhas azuis, tatuagem no braço e mini-saia pink. Definitivamente, a Kardelen logo quebrou o estereótipo que eu tinha das turcas.
Depois das devidas apresentações fomos até a sua casa para que eu finalmente, abandonasse, pelo menos naquele momento, minha pesada mochila. A essa altura eu quase já não conseguia mais sentir os meus ombros. Com uma temperatura de 40 graus e seguindo os conselhos da minha mais nova amiga, decidi que também já era hora de trocar de roupa. Resolvi colocar um vestido, ainda um pouco insegura, mas o calor era tão insuportável que me fez tomar essa decisão e não pensar mais sobre o assunto.
Não tive nenhum problema de "assédio" com os turcos. Eu só conhecia europeus que já haviam visitado Istanbul, portanto os conselhos foram um tanto quanto exagerados. Haviam me apavorado desnecessariamente, em relação aos homens "ousados", à violência, à falta de educação, ao fanatismo religioso. Entendo que as realidades sejam diferentes, mas no final acabei concluindo que quem nasce no Brasil, já está preparado para tudo rs. Não me senti ameaçada em nenhum momento, pelo contrário conheci muita gente que me acolheu muito bem.
Hoje a recordação que eu tenho de Istanbul não são apenas das grandiosas mesquitas, das comidas temperadas, dos parques floridos, das noites nos bares de narguile, das baladas agitadas, dos bazares lotados ou do tal banho turco. Istanbul foi especial, acima de tudo, porque eu não permiti que meu (desnecessário) medo prévio, fosse maior que minha vontade de conhecer. Sim, precauções devem ser tomadas, mas nunca impedir que nossa arrogante mania de achar que sabemos toda verdade, nos impeça de experimentar, viver, sentir....
Afinal, como já dizia Amyr Klink: "Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."