terça-feira, 10 de novembro de 2009

Relacionamento com os felinos



Durante meu ano de intercâmbio na Holanda não sofri de"homesick" (saudades de casa), me adaptei facilmente à rotina de au pair, não tive problemas com os pais hospedeiros e logo me apaixonei pelas crianças. Perfeito, não? Poderia até ser, se eu não tivesse que ter convivido com mais dois habitantes da casa.

Streepje e Elcha estavam no topo da hierarquia familiar. Ganhavam beijos, abraços e presentes! Eram duas gatas mimadas por todos. Ou melhor, por quase todos. Não tenho nada contra animais, pelo contrário, eu adoro! Tenho 5 cachorros, aliás! Mas por alguma razão, desde a infância, nunca gostei de gatos.

Antes do embarque, eu já sabia da existência destes dois "simpáticos" animais de estimação e não me emploguei. Mesmo consciente disto, eu havia gostado tanto da família que estava disposta a encarar as tais gatas. Só não sabia que elas me dariam tanto trabalho.

Não é mania de perseguição, mas parece que elas sentiam que eu não gostava da presença delas e forçavam uma aproximação só para me irritar. Logo na minha primeira semana, por exemplo, Elcha conseguiu arranhar o olho de uma das amiguinhas da Karlijn, ocasionando uma hemorragia, vários gritos e choros infantis descontrolados. Só não tive o AVC, porque precisei chamar a mãe da vítima, o médico, acalmar as crianças e desenrolar meu holandês, que até então, era inexistente. Como fiquei tensa naquele dia!

Também já tropecei na escada, porque a mesma gata entrou, propositalmente, na minha frente. Além de machucar o joelho e ter dificuldades para pedalar durante muitas semanas, ainda quebrei o jogo de porcelana chinesa, relíquia da família, que eu estava carregando no momento da queda. Foi assim que, injustamente, ganhei a fama de desastrada. Eu achava que meu relacionamento com os felinos não poderia piorar. Eu achava...

Em uma manhã de inverno, os pais (Gerwin e Mark) já haviam saído para trabalhar e as kids (Karlijn e Tijmen) estavam na escola. Eu estava sozinha em casa. Quer dizer, eu e elas! Aproveitei o momento ocioso para tomar um banho quente de banheira. Depois desci ao primeiro andar, vestindo minha camisola e ainda com a toalha na cabeça, fui tomar meu café da manhã. Fazia -5 graus. Lá fora a neve caia e ali dentro eu estava aquecida, relaxando, apenas usufruindo do meu horário livre. Tudo estava perfeitamente calmo!

Foi quando eu vi Streepje próxima à porta. Ela miava, desesperadamente, porque queria sair de casa. Abri a porta e ela saiu. Alguns minutos depois, no entanto, lá estava a gata, novamente em frente a porta, mas desta vez miando do lado de fora. É, realmente deveria estar muito frio. Resolvi ajudá-la!

Uma das razões pra eu não gostar de gatos é que eles nunca me obedecem. Se fosse minha cachorra, eu tenho certeza que ao abrir a porta simplesmente, ela teria entrado, "agradecido" e estaria disposta a brincar. Mas Streepje não era assim. Ao abrir a porta ela fugiu de mim e correu para o meio da rua.

Fiquei, pacientemente, insistindo pra que ela entrasse, mas ela se afastava cada vez mais. A princípio, pensei em deixá-la ali fora mesmo. Afinal, não queria passar minhas horas de folga tentando persuadir uma gata bipolar. Fui para a sala assistir a um filme.

Porém a idéia da gata morrendo congelada por minha causa e minha host family tentando entender porquê eu tinha "abandonado" o pequeno animal na neve, logo me veio a mente. E se ela realmente congelasse? O que eu diria às crianças? Muito irritada com o sentimento de culpa, voltei para o frio para fazer o resgate.

Eu ainda vestia a camisola e a toalha ainda estava na minha cabeça, mas eu só precisava colocar uma "indefesa" gatinha dentro de casa. Não me preocupei em trocar de roupa, achei que seria rápido. Afinal o que poderia acontecer?

Poderia ter sido rápido, porém mais uma vez Streepje correu para longe, assim que eu abri a porta. Chamei, conversei, gritei e até expliquei, em português (lógico!), o porquê ela tinha que entrar. Mas ela não me ouviu. Talvez Karlijn tivesse mesmo razão, aquela gata deveria saber apenas holandês.

Decidi pegá-la a força. Até hoje me arrependo desta estúpida decisão. Eu poderia ter ficado assitindo ao meu filme e bebendo meu capuccino. Ao invés disso, lá estava eu, com aqueles trajes, correndo atrás da gata.

Quando me aproximei de Streepje, estava convicta de que a pegaria, mas ela foi mais rápida e correu, desta vez entretanto, para dentro de casa. Ufa, finalmente havia conseguido!

Eu estava de rasteirinha e tentava não encostar meus pés na neve. Feliz com o meu talento para convencer gatos, voltei caminhando vagarosamente. Ventava, nevava e só o que eu desejava, era deitar na cama e ficar bem agasalhada.

Foi quando eu percebi! Não sei se foi o vento ou se foi a Streepje, mas por algum motivo a porta, que só abria por dentro, agora estava fechada. Não podia acreditar! Fazia tanto frio e eu estava sem chave, sem celular, sem dinheiro e praticamente, sem roupa. E lá dentro, estavam as duas gatas olhando pra mim, quentinhas e felizes! Grrrrr!!!!!!

Tentei a porta dos fundos, as janelas, a garagem, mas estavam todas trancadas. Droga! O vento era cortante e eu ainda não havia conseguido solucionar aquele problema. O frio era tanto que eu não conseguia raciocinar. Chamei os vizinhos, mas nenhum deles me respondeu, provavelmente já haviam saído para trabalhar. Tentei atravessar a rua para pedir ajuda à diarista da casa da frente, mas não estava com calçados apropriados para encarar a neve.

Fiquei, aproximadamente, 2 horas congelando. Me enrolei na toalha molhada, sentei próxima a porta e fiquei ali pensando como faria para buscar as kids. O horário de saída da escola se aproximava. Eu não conseguiria andar tantos quarteirões com a rasteirinha, muito menos queria mostrar minha camisola para todos os habitantes da cidade. Também não teria como avisar aos meus pais holandeses, já que além de não estar com o celular, eu ainda não havia decorado o número deles.

Eu já estava roxa, mal sentia meu corpo e enquanto isso as "adoráveis" gatinhas ainda olhavam alegremente, de dentro da casa, para mim. Não tinha força nem para sentir raiva. Já tinha me conformado que era mesmo o meu fim.

Mas ainda não era. Estava de cabeça baixa, quando ouvi o barulho de um carro. Era a minha vizinha! Fui até lá, tentando manter a calma, mas bastou ela perguntar o que havia acontecido comigo, pra eu começar a chorar. Não parei mais! Chorei muito! Ela se assustou com minha reação e me convidou para entrar em sua casa. Enquanto tomava um café quente e me agasalhava, contei toda história à ela.

Para minha sorte, a bondosa mulher, era amiga da minha host mother e tinha o número do celular dela. Ela discou e eu falei. Contei, pausadamente, todos os fatos e em poucos minutos ela estava ali.

Eu estava me sentindo tão vulnerável! Devido à uma gata descontrolada e à maldita porta, lá estava eu atrapalhando o trabalho da host, fazendo com que ela pedisse a tarde livre só pra me dar a tal chave que eu tanto havia cobiçado durante as horas no frio.

Quando ela chegou, me viu e simplesmente, me deu um abraço, logo me lembrei porque valia tanto a pena aturar, diariamente, aqueles 2 animais de estimação. Expliquei, agora com mais detalhes, toda minha odisséia, tentando justificar o porquê eu a havia incomodado. Ela, porém, não parecia se importar com os motivos da saída repentina do trabalho.


Entramos. Enquanto eu tomava outro banho quente, ela me preparou um chá. Ainda abalada com a situação, ganhei todo o dia livre para me recuperar. Gerwin alegou que buscaria os próprios filhos. Afinal, fazia tempo que ela tinha vontade de fazer isso, mas na maioria das vezes, não podia estar presente.

Felizmente, nada demais aconteceu. Eu poderia realmente ter congelado. Ou no mínimo, ter os membros necrosados, resultando em uma amputação. Nada aconteceu! Graças a vizinha que, por alguma razão, resolveu chegar mais cedo em casa, justamente, naquele dia que eu estava trancada para fora.

Hoje, quando saio de casa, mesmo que seja até a porta, coloco roupas mais "adequadas"e tenho sempre no bolso: dinheiro, celular e chave. Esta lição, pelo menos, eu aprendi. Só não aprendi, até agora, a gostar de gatos...

3 comentários:

  1. Gata, já te falei e repito, não entendo pq vc ainda não partiu p/ o jornalismo, é a sua cara!! Adorei os textos!

    Bjs

    André

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  2. Bia, quase morri ao ler este texto!!!!!!!!!!! Tá maravilhoso!!!!!!!! Bjos. Mãe

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  3. Biaaaaa, adorei o texto! hahahahha, mto bom! Adorei ( no bom sentido), aquela parte de que as gatas entraram e vc ficou olhando pra elas do lado de fora ( fico imaginando sua cara de gato de botas hahahahha)!! Saudadess!
    E concordo com o André: vc precisa fazer jornalismo!!!
    bjuss,
    Paula

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